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“Era um, era dois, era cem…” seres humanos em frangalhos, com pele escurecida pela sujeira, esqueléticos, transitando desgovernados, alguns entre os carros, outros amontoados sobre pilhas de lixo e embaixo de barracas improvisadas fumando pedras de crack. Fim do mundo? Apocalipse zumbi? Parecia cena de filme mesmo e, por alguns minutos, pensei estar numa versão de The Walking Dead em 3D.

Amigos leitores, como há pedras no meio do caminho que liga a Av. Brasil à Ilha do Governador… Pedras de descaso, pedras de abandono, pedras que quebram, pedras de crack. Mulheres sem vaidade com shorts imundos e minúsculos, barriga de fora, muitas grávidas, menores, jovens e adultos sem dentes. Se o inferno de Dante Alighieri fosse escrito no século XXI, a cena que vi estaria incluída em um dos seus nove círculos de sofrimento.

Assistindo apreensiva a isso tudo, neste trânsito constantemente parado da saída da Ilha, constato que a pedra no caminho, meus caros, já não é mais tão poética como na época de Drummond. Há uma pedra no meio do caminho de todos nós. Pedra que destrói, ceifa vidas, gera vidas sem família e sem perspectiva, assusta o restante da população, pois, até então, o que os olhos não viam, não sentiam. E, assim, vou me perguntando, enquanto o trânsito permanece parado: como é possível que seres humanos estejam em condições animalescas, entre fezes e imundície, entregando seu corpo e sua alma para saciar essa louca e voraz vontade de fumar uma pedra? Que pedra é essa que só precisa de dez segundos para fazer efeito, efeito que dura de três a dez minutos e que destrói pessoas de forma tão grotesca, fazendo cidadãos se comportarem como bichos, sem dignidade, sem noção de moral? Cidadãos que se transformaram num perigo para si e para os outros.

Também constato com indignação a irresponsabilidade da prefeitura da cidade, quando observando aquele quadro apocalíptico cogitou pagar uma bolsa-auxílio de R$900,00 para as famílias de menores usuários de crack que se comprometam a acolhê-los e a tratá-los? Hein?! Como assim? Qual será o valor do salário-mínimo que será pago ao trabalhador em 2013 mesmo? Ah… o valor estimado é de R$674,95. Gente, isso é mesmo vida real? Pois tenho uma sensação forte de “Hora do Pesadelo”. Mas também que atitude poderia ser esperada num lugar em que se derrubam escolas, casas, velódromo, autódromo sem nenhuma preocupação moral ou financeira? Que cogitam a construção de um campo de golf na Reserva de Marapendi, no mesmo ano que sediam a Rio +20? Por que me espantar? A única certeza que tenho, por enquanto, é de que o Sambódromo será o único a escapar. Engraçado… não sei de onde sai tanta certeza. Aliás, quando chego em casa e me dizem: Você não sabe o que deu na TV? Já vou logo perguntando: o que o governo vai demolir dessa vez?

Ainda no trânsito parado, um nome surge: zirrê, também conhecida como craconha ou criptonita. Mistura de crack com maconha que deixa o indivíduo super estimulado e sem noção de tempo, essa droga ressurge, depois de 15 anos, na mídia, e está sendo comercializada numa espécie de “combo”.

Ai, que saudade do tempo em que kryptonita e combos faziam parte do universo do cinema…

A Prefeitura do Rio tenta fazer algo pela situação, mas não tem sido muito eficaz.
A Prefeitura do Rio tenta fazer algo pela situação, mas não tem sido muito eficaz.

O trânsito flui, respiro fundo com uma sensação que transita entre alívio e preocupação. Naquele momento, a imundície daquele vasto pátio e aqueles homens e mulheres que fumavam com voracidade e comportavam-se como zumbis tinham ficado para trás, mas a crueldade de uma omissão política conveniente, meus caros, zurze o povo de uma nação para sempre.
TEXTO  DE MINHA AUTORIA PUBLICADO NA REVISTA FEEDBACK MAGAZINE NO DIA 29 DE NOVEMBRO DE 2012. PARA MAIS DETALHES ACESSAR O SITE DA REVISTA.